(Texto de Wilson Santos de Vasconcelos)
3.3.14
As primeiras fagulhas do progresso gonçalense – Parte I
Diante
da recente emancipação política em fins do século XIX, São Gonçalo
engatinha e revela as transformações que a cidade transpira ao se
modernizar em seu tempo.
Os
olhos se acostumavam à luz vinda dos postes de iluminação a gás, aos
flashes das fotografias, ao escuro dos cinemas. Aos ouvidos cabia
absorver a abundância de sotaques, as vozes anônimas dos rádios, as
falas distantes dos telefones, e passar impune à polifonia que as
aglomerações em trânsito produziam. O aroma dos charutos e cigarros, os
perfumes das damas e o suor dos trabalhadores propunham novos desafios
ao olfato.
Bonde itinerário "S. Gonçalo" - Feliciano Sodré x Cais do Porto. Centro de Niterói, 1957. Acervo: Sandro Marraschi. |
A
cidade se oferecia à visão, à audição e ao olfato numa velocidade que
fazia da abundância de estímulos sensoriais a sua marca. Em
contrapartida, o indivíduo se voltava para si. (O’DONNELL, 2007).
Durante
o século XIX, o bonde foi um dos grandes meios de transporte que
permitiram às cidades pós Revolução Industrial consolidarem a sua
expansão e a sua própria estrutura, delineada a partir das novas funções
das cidades com características notadamente urbanas. A disseminação
desse processo, no bojo do avanço do poderio capitalista, permitiu a
outros países do mundo ocidental experimentar, ainda durante o século
XIX, as quimeras do progresso que no Velho Mundo já se avultavam há
quase um século.
O
Brasil, embora em embrionário processo de industrialização em fins do
século XIX, adota o bonde e os ícones da cidade industrial, como meio de
promover a sua própria modernização e inserir-se, ainda que
forçosamente, já que se limitava a apropriar apenas os aspectos
técnicos, nesse processo. O bonde foi implantado na imensa maioria das
capitais brasileiras contribuindo, de forma irrefutável, para consolidar
essa urbanização tão desejada em todo o país.
Linhas de bondes em São Gonçalo e Niterói. A
palavra inglesa Tramway significa bonde, no português. Fonte: The Trams
& Trolleybuses of NITERÓI & SÃO GONÇALO Brazil by Allen
Morrison. Disponível em: http://www.tramz.com/br/ni/nim2.html
|
E em São Gonçalo não havia sido diferente. Por iniciativa do visionário empresário Carlos Gianelli, muito ligado ao legislativo gonçalense, em
5 de Agosto 1899 (MORRISON, 1989), a sua companhia, Tramway Rural
Fluminense, tem permissão a linha de bonde à vapor de 15 km de extensão
que liga Neves a Alcântara, que forneceu o serviço local ao longo das
ruas paralelas da Leopoldina Railway.
“Realizou-se
hontem, conforme fora annunciada, a inauguração dos bonds a vapor de S.
Gonçalo ao Alcântara. A 1 hora da tarde, em bonds especiais que
partiram das Neves, seguiram os convidados e representantes da imprensa,
afim de tomarem parte na solenidade da inauguração, e na mesma partida
da estação de Sant’Anna um trem especial da Companhia Leopoldina
conduzindo o Sr. Quintino Bocayuva e outros convidados. O trecho
inaugurado achava-se ornamentado com gosto e bem assim as locomotivas.
Os convidados foram recebidos no ponto terminal do Alcântara ao espoucar
dos foguetes e ao som de duas excellentes bandas de musica militares.
Terminada a solenidade da inauguração, regressaram os convidados ao
edifício da Câmara Municipal de S. Gonçalo, onde o Sr. Carlo Gianelli,
director da companhia, offereceu um profuso banquete, no qual tomaram
parte grande número de convivas (...) Ao champagne foram levantados os
seguintes brindes: do Sr. Carlos Gianelli à Camara Municipal de S.
Gonçalo; do Sr. Nilo Peçanha, que em nome da Câmara Municipal agradece
ao conhecido industrial, Sr. Carlos Gianelli (...)”(Jornal do Brasil,
2.julho. 1900, n.183)
É
preciso ressaltar a visão de Carlos Gianelli. (Industrial, agricultor e
empresário). Nascido em 1855 e desde 1881, logo que aqui chegou, vindo
do Uruguai, a sua pátria, dedicou-se ao preparo do trigo importado do
estrangeiro com sua empresa Moinho Fluminense (1887), empregara todos os
seus esforços no sentido de desenvolver a indústria, chegando a ser um
dos seus mais importantes representantes.
Dedicou-se
também a agricultura, indo empregar os seus inexcedíveis esforços e
atividades na Fazenda Guaxindiba, em São Gonçalo. Também exerceu cargo
de cônsul e o de secretário da legação do seu país, sendo elevado ao
cargo de secretário honorário da legação Oriental. O Sr. Carlos
Gianelli, tendo conseguido privilégio para uma linha de bondes à vapor
em São Gonçalo, funda a companhia Tramway Rural Fluminense em 1899.
Faleceu em 13 de março de 1908, com 53 anos de idade, e foi enterrado no
cemitério São João Batista n. 2779, em Botafogo.
Os
bondes, juntamente com os seus fundadores, foram os promotores do
desenvolvimento da cidade gonçalis na primeira metade do século XX, pela
facilidade de deslocamento que ofereciam. Tão notável progresso, em
relação ao transporte de passageiros e cargas, entre os mais importantes
centros populosos – Neves – São Gonçalo – Alcântara. A concessão dada a
esses beneméritos cooperadores do desenvolvimento de São Gonçalo deve
figurar entre as mais valorozas conquistas do progresso que estavam por
vir.
Referências:
COSTA, Madsleine Leandro da, FERREIRA, Angela Lucia de Araújo. Mudanças Tecnológicas e Transformação Urbana: do Bonde ao Ônibus. Departamento de Arquitetura – UFRN, s.d.
FERNANDES, Marcelo Belarmino. São Gonçalo operário: cenários e personagens das lutas sociais no Município de São Gonçalo no segundo pós-guerra, 1945-1951. UERJ-FFP, São Gonçalo, 2009.
MACHADO, Fábio Nunes. A atuação do poder público na construção do espaço urbano gonçalense, entre os anos de 1920 – 1950. UERJ-FFP, São Gonçalo, 2002.
MORRISON, Allen. The Tramways of Brazil, A 130 – Years Survey, New York: Bonde Press, 1989. ISBN 0-9622348-1-8O’DONNELL, Julia Galli. Para andar nos trilhos. 12 set. 2007. Em : http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/para-andar-nos-trilhos.
Sobre o Autor:
Wilson Santos de Vasconcelos é editor do Blog Tafulhar. Formado em sociologia pela UFF e mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela ENCE/IBGE e Doutorando em Ciência Política pela UFF |
Sempre sensacional! Parabéns Wilson por trabalhar no resgate de nossa memória !!!
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