(arte final, Agência Papagoiaba) |
Meu pai, Jairo Mendes, foi militante do Partido Comunista, na clandestinidade, tendo, inclusive me batizado com o nome de Agliberto, em homenagem ao Capitão do Exército Brasileiro, Agliberto de Azevedo. O capitão era um ídolo, no Partido, por ter sido campeão de cadeia. Foi desligado do exército, preso, torturado e, entre idas e vindas à prisão, cumpriu um total de, aproximadamente, 15 anos de cárcere.
Recordo-me de quando Jairo Mendes trabalhava no jornal Última Hora e era presidente do Sindicato de Jornalistas, na cidade de Niterói. A redação do jornal ficava na Rua São Pedro, no centro, e nós morávamos na Rua Barão do Amazonas, próximo do seu trabalho.
Às vezes, meu pai saía de casa, com destino à redação ou a outro lugar, então, em alguma esquina, um conhecido lhe abordava e começavam a conversar. Chegava uma terceira pessoa e, até mesmo uma quarta e formava-se uma “rodinha” de bate papo, quase sempre na Avenida Amaral Peixoto, principal via central da cidade. Os assuntos eram sempre Sindicalismo, Política e Imprensa.
Nessa época, meu pai não tinha mais qualquer ligação com o Partido Comunista. Era apenas um sindicalista independente, lutando por melhorias para a sua classe. Jairo Mendes conseguiu, através do sindicato, casas próprias para vários profissionais de imprensa e veio a falecer, pobre, doente e morando em casa alugada.
Vez em quando, meu pai recebia algum convidado em nossa casa e almoçavam ou jantavam, em meio a longas e amigáveis conversas. Após a saída do visitante, eu, ainda um menino ouvia o seu relato: “Esse moço está me difamando, espalhando mentiras sobre a minha pessoa, então eu o trouxe para conhecer o meu lar, a minha família, ele, aqui, foi bem recebido, bem tratado, nos conheceu, provou da nossa comida e, agora, daqui em diante, será bem mais difícil ele prosseguir me caluniando". Essa era a técnica que ele usava para “quebrar” o ódio de alguns adversários.
Após 1968, na época da repressão violenta, eu, com mais ou menos 16 anos, ouvi o único comentário dele, sobre a vida lá, dentro da cadeia. Meu pai disse que o preso novo, aquele que chega, precisa “levantar a moral” do companheiro, que está ali, humilhado e fragilizado. Nesses momentos, a mentira é a maior benção que se pode dar a um ser humano: dizer que aqui fora, estava tudo ótimo, a sociedade revoltada, a ditadura enfraquecida ia cair a qualquer momento e todos voltariam para suas casas, em muitos breves dias e estariam com os seus familiares.
Foi um tempo de verdadeiros guerreiros e não os “guerreiros de causas próprias”, dos dias de hoje.
pS.: jan 8
pS.: jan 8
Sobre o autor:Agliberto Mendes é editor do Blog do Vovozinho, da Página do Facebook Registro Geral, Cronista do Nosso Jornal, do jornal DAKI-SG , também atua como debatedor nos programas "Bom dia SG", da TV Ponto de Vista e "Sua Cidade Seus Valores", da Rádio Fluminense, 540 AM. Facebook: Agliberto Mendes. Agliberto é filho do falecido Jornalista Jairo Mendes, que foi presidente do Sindicato de Jornalistas de Niterói e São Gonçalo, durante o período da ditadura militar.
Angelica Varella | janeiro 8, 2013 às 10:47 pm
ResponderExcluirPor mais duras que sejam as lembranças, porque a saudade as vezes aperta, é muito bom partlhar as mémórias deste período “doente” do Brasil. Assim pasamos para as gerações mais recentes valores que precisamos resgatar. Parabéns pelo texto, obrigada por partilhar.
Antonio mendes | janeiro 8, 2013 às 11:32 pm
ResponderExcluirFoi bom ler a sua opiniao sobre o jairo . Realmente era um cara independente de qualquer faccao ideologica. Bj.
Igor Rangel | janeiro 8, 2013 às 11:46 pm
ResponderExcluirMeu caro amigo, podemos considerar o Sr. Jairo Mendes um verdadeiro herói numa época de muita dificuldade, ele foi um verdadeiro guerreiro, ajudou a transformar a vidas de muitas pessoas, pois ele sempre lutou incansavelmente por uma sociedade mais justa e acreditava que um dia seria tudo diferente.
Meus parabéns pelo texto meu amigo.
João Vitor HFB | janeiro 9, 2013 às 1:18 am
ResponderExcluirMendes você está sempre me surpreendendo, conheci a origem do seu nome, e o porquê de você ser esse destemido debatedor, seu pai realmente foi um exemplo, gostei da técnica dele de levar o “inimigo” em casa, ele realmente deu a outra face.
E como infelizmente sempre acontece, nossos heróis terminam sempre pobres e sós.
Michelle Gomes Mendes Côrtes Carletto | janeiro 9, 2013 às 7:04 pm
ResponderExcluirAdorei o texto tio…bom conhecer e ver a história de vovô servindo de exemplo pra uma geração que só pensa no próprio umbigo, que não enxerga um palmo a sua frente. Precisamos pensar mais no coletivo, no que deixaremos para aqueles que virão e, que sejam histórias e exemplos além de peitos siliconados e, fortes saradões!!! Descobri que não puxei só a pele “morena”(rsrsrs) dele, mas também a sede incontrolável por mudança, a vontade de transformar o mundo…enfim amei. Muito Obrigada!!
Francisco de Lima | janeiro 10, 2013 às 12:42 am
ResponderExcluirPois é Agliberto Mendes.Bons tempos onde os ideais eram enraizados nos corações das pessoas..Politica não só se discutia,como a participação era bem ampla,e os politicos tinham um minimo de ética.Parabens pela sua trajetória de vida!!
leonardo | janeiro 10, 2013 às 11:04 pm
ResponderExcluirGostei muito do texto! Conseguiu descrever de maneira lúdica e agradável sem deixar de transmitir a dificuldade daquele momento histórico, sobretudo em relação aos que “desafiavam o poder”. Parabéns.
Flávio Barros
ResponderExcluirTio Jairo tinha um sentido de ética tão severo que, após concluir convênio entre o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro e Caixa Econômica Federal, beneficiando dezenas de jornalistas, recusou-se a comprar o seu imóvel acreditando que seria locupletação, uma vez que era o presidente do sindicato e estaria tirando a chance de outro associado sem a influência que ele tinha. Morreu sem bens, imóveis ou móveis. Como se diz: Nu com as mãos no bolso.
" Não venci todas as vezes que lutei.
ResponderExcluirMas perdi todas as vezes que deixei de lutar"
Tio Jairo tinha um senso tão rígido de ética que, após celebrar um convênio entre o sindicato de jornalista que presidia e a Caixa Econômica para financiamento de imóvel, recusou-se a financiar o seu imóvel por achar que seria oportunismo, tirando de um sócio a mesma oportunidade.
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