quinta-feira, 29 de agosto de 2019

As duras penas do Galo Branco



(Texto de Erick Bernardes)


Narrar histórias de fazendas de São Gonçalo transformadas em bairros é hoje chover no molhado, pois são muitas as que constituíram o nosso município. Contudo, o que destoa das variadas explicações é o modo como um desses logradouros fixou seu nome; em vez de cavalo ou boi o tal registro territorial se deve à ave que é tradicionalmente conhecida como rei do terreiro. Bem, falo aqui do Galo Branco e sua inusitada história de fundação.





Houve certa vez um dono de fazenda para as bandas de São Gonçalo. Dizem que possuía comércio chamado de Casa das Ferragens Galo Branco, lá para os lados de Niterói. Atravessar a sua propriedade tornara cada vez mais habitual aos transeuntes das terras gonçalenses, dado o fluxo de pedestres que precisava se locomover a pé ou a cavalo no intuito de chegar à atual Chumbada. Sabe-se que, naquele crescente ir e vir em sua fazenda, fizeram a tal passagem constituir ponto de referência importante. Daí apelidarem a porteira construída em madeira bruta de “Portão do Homem do Galo Branco”. Esse senhor não dormiu no ponto, ele mesmo tivera a ideia marota de pôr um galo de cerâmica na cor branca, junto à entrada da propriedade. Sim, fez por brincadeira mesmo, rendeu-se à invenção popular — e assumiu a alcunha com a cara mais lavada do mundo.
Incrível é saber como nascem as lendas, não é mesmo? Porém, sinto em lhe decepcionar, não se trata aqui de fantasia. História com letra maiúscula, isso sim. Bem, necessário reconhecer, em vez de Galinha Pintadinha ou Fábulas de Cocoricó, devemos ao Homem do Galo Branco o pioneirismo desse enredo narrativo.
Desfecho dessa história: sujeito sacana, figurão provocador e polêmico, jamais imaginou inventar registro do seu próprio território. E foi assim, de quando um certo comerciante cantou de galo para as bandas de São Gonçalo.

Erick Bernardes é escritor e professor mestre em Estudos Literários.
(Assina uma coluna semanal no jornal Daki ) https://www.jornaldaki.com.br/




sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Um dia dos Pais para esquecer e lembrar


Eu tive 4 filhos naturais, um menino, o Pedro e três meninas, a Virgínia, a Dilce e a Helen e duas outras meninas emprestadas, uma delas a quem dei meu sobrenome e a Danielly que criei e tenho como filha natural também, mas a Virgínia foi a primeira filha natural, era a filha que todo pai queria ter, primeiro que nunca deixou de me procurar, segundo que se preocupava comigo, tanto que já com a doença me colocou como dependente sua num plano de saúde desses que dão descontos em algumas clínicas e laboratórios e terceiro que conversava comigo, muito, altos papos, até papos cabeça onde até quando divergiamos, era com respeito e o entendimento de que divergir também é normal e principalmente ouvia meus conselhos  de verdade, pesava na balança, argumentava, mas não deixava nenhum deles cair no chão ou menosprezava e nunca me julgou por nada que eu fizesse, pois sempre me viu  como o seu paizinho. 


(Darc Freitas e Virgínia)


Quando Virgínia nasceu, em 28 de setembro de 1986 eu não fazia nem ideia de como era ser pai de verdade, e no fundo, talvez por medo da responsabilidade, eu nem queria, mas ela veio, e era um bebezinho chorão, chatinha às vezes porque não me deixava dormir direito assim que chegou...

Mas um belo dia, depois que ela abriu os olhinhos, eu olhei pra ela dentro do bercinho e ela me deu o sorriso sem dentes mais lindo que eu já vi em toda a minha vida, e me ganhou de vez, com poucos meses de vida...
Lembro que quando ela tinha 5 aninhos, eu chegava tarde do trabalho, e ela estava sentada no sofá da sala, sozinha, de banho tomado, maria chiquinha, linda, a mãe e os irmãos no andar de cima, já dormindo, e eu perguntava:
- o que a minha corujinha está fazendo acordada à essa hora?
- tô te esperando pai...
E eu tomava banho, jantava e ela dormia com a cabecinha no meu colo, e eu a pegava e subia as escadas pra colocá la em sua cama e após dar um beijinho em cada um, inclusive os que estavam dormindo, voltava pra sala pra terminar trabalhos que às vezes eu levava pra casa. 


(Pai e filha)


Aí veio um momento muito difícil, quando a mãe deles ficou doente, perdendo se no vício de drogas, e eu resolvi ir embora de casa, pois o mundo estava desabando sobre a minha cabeça, e ela me disse então que eu poderia ir, mas quando voltasse, encontraria a todos mortos por veneno de rato. Mas eu fui assim mesmo e naquela noite não consegui dormir, só chorava e pensava numa maneira de resgata los, pois a mãe já não estava mais em seu juízo perfeito. Foi quando tive a idéia de procurar um juiz da vara cível e pedir a guarda de todos eles pra mim, isso já amanhecendo o dia. 

Precisava de um advogado, consegui um que me colocasse na cara do juiz, mas eles começaram a trocar termos técnicos e eu tive que intervir e relatei ao juiz a gravidade da situação e a minha preocupação de que já estivessem todos mortos e eu jamais me perdoaria, quando então o juiz demonstrando uma sensibilidade com a qual eu precisava e contava, chamou um oficial de justiça e mandou buscar todo o mundo no meu antigo endereço, filhos e ex mulher. 
Todos lá ele se trancou durante meia hora com a mãe das crianças e ao término daquela entrevista, mandou que fosse redigido um Termo de Posse e Guarda dos meus filhos e a filha dela para ficar sob meus cuidados. 
E ali eu senti um alívio enorme, a sensação de te los salvo de um destino terrível. Solicitei que o advogado nos levasse até à casa dela para que eu pudesse apanhar algumas mudas de roupas, e disse à mãe deles que ela ficaria com a casa, um duplex no BNH em Marambaia, para que pudesse se tratar e futuramente ter de volta seus filhos. 
Feito isso pedi que me levasse à Cidade Alta, onde moravam minha mãe, minha irmã e sua filha, minha sobrinha, e pedi socorro à elas, pois não tínhamos mais onde ficar, nem eu nem as minhas crianças. 
E foi assim que ao invés de uma, eu consegui duas mães para os meus filhos, as melhores que eles poderiam ter. Infelizmente a mãe deles veio a falecer seis meses depois, uma boa mulher até entregar se às drogas e eu lamentei duas vezes, por mim e por eles. 


(Dor que não cura)


Muitas vezes levei ao Grupo de Escoteiros, onde ela foi Lobinha e vi crescer, sempre com aquele jeitinho meigo e doce, que só ficava irritadinha quando eu chamava de criatura, é ela dizia com aquela voz que nunca se alterava:
- eu não sou criatura...e eu ria, achando  engraçado. 
Quando fez 15 anos eu perguntei se ela iria querer festa, valsa e essas coisas que algumas meninas gostam por tradição, e ela respondeu:
- quero que você me leve ao Rock in Rio!
E foram três noites em claro ao lado do meu bebezinho, um presente pra mim. 
Mais tarde a dúvida de que carreira seguir na Faculdade, pública, pois ela nunca me deu trabalho e sempre teve consciência da nossa situação de uma vida financeira difícil e por isso perdeu noites estudando para passar pra UFF e passou. Quanto orgulho, até porque traçamos juntos uma estratégia para que ela antes de se formar já tivesse empregada e daí seguisse sozinha o seu caminho. 
E no início eu a levava todos os dias à porta do trabalho e a gente trocava beijinhos de despedida, e quando ela ia se afastando eu olhava e dizia pra mim mesmo, que trabalho lindo você fez Darc, parabéns! 
De vez em quando me ligava e eu preocupado perguntava:
- Aconteceu alguma coisa meu amorzinho?
E ela respondia:
- Não, só estou com saudades de você, eu te amo pai...
Quando viajava, trazia sempre um presente pra mim, uma lembrança qualquer...
Agora no finalzinho, larguei tudo pra ficar o mais próximo possível, porque o meu coração já dizia, na hora em que o câncer foi descoberto, que eu iria perde la...
No fundo eu já sabia, mas ainda hoje, após a sua morte eu não quero e não consigo acreditar e menos ainda aceitar. Isso é um pesadelo terrível e eu não vou acordar nunca mais.
Duro ouvi la dizendo que não queria morrer, que precisava viver para cuidar do filhinho, quando o seu corpinho já estava morto nas extremidades ...A sensação de impotência diante do inevitável é uma das piores que um ser humano pode enfrentar. 


Texto de Darc Freitas, um pai guerreiro de São Gonçalo






sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Mestre Ziza, da Av. Paiva para o Mundo.






Mestre Ziza, da Av. Paiva para o Mundo.


Zizinho nasceu em São Gonçalo, em 14 de Setembro de 1921, na Avenida Paiva, número 77, no bairro de Neves no ano de 1921, e faleceu em Niterói, 8 de Fevereiro de 2002. Foi um dos maiores jogadores da história do futebol mundial. Começou nas divisões de base do Byron, de Niterói e foi revelado, jogando entre 1939 a 1950, no Flamengo, clube no qual ganhou o tricampeonato estadual em 1942, 1943 e 1944, além do Campeonato Carioca de 1939. Zizinho saiu do Flamengo com 329 jogos e 146 gols e considerado o maior ídolo do clube até a aparição de Zico.
Trabalhou na Fábrica de Tecidos do Barreto ainda bem jovem, também trabalhou no Loyd Brasileiro antes de começar a jogar futebol começando pelo Clube Carioca, disputando o Campeonato Niteroiense. Jogou em diversos times do bairro de Neves. Enquanto atuava por times de São Gonçalo e Niterói, permaneceu atuando como operário. Abandonou o Loyd Brasileiro quando foi chamado para integrar o Clube de Regatas do Flamengo.
Zizinho também atuou pelo Bangu, clube que defendeu de 1950 a 1957. Ele deixou o Bangu como maior jogador da historia do clube. Ele é o 5º maior artilheiro da historia do clube, com 122 gols, e o maior artilheiro em uma só partida com 5 gols. Zizinho ainda conseguiu 2 vice-campeonatos cariocas pelo Bangu, 1 como jogador em 1951 e outro como técnico em 1965. Ele terminou o Campeonato Carioca de 1952 como artilheiro e venceu 2 Torneios inicio do Rio de Janeiro e o Torneio inicio do Rio-São Paulo. Foi ídolo também no São Paulo, onde disputou 60 jogos e marcou 24 gols. Ele atuou na seleção de 1942 a 1957. Foram 54 jogos pela Seleção Principal, com 37 vitórias, 4 empates e 13 derrotas, marcando 30 gols. Na Copa de 1950, foi considerado o melhor jogador. Dizem que Zizinho foi o ídolo de Pelé em sua infância e que o maior de todos os tempos se tornou jogador inspirando-se no craque da Copa de 1950.
Seu nome Thomaz Soares da Silva, mas foi profissionalmente, era sempre chamado de Zizinho. Mas, para aqueles com mínimo de discernimento futebolístico, Zizinho tinha um adjetivo que vinha antes. Mestre. Mestre Ziza.


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Um dia feliz em São Gonçalo

Um dia feliz em São Gonçalo

Nov 03, 2018 01:54 pm
(Texto de Mário Lima Jr)
Hoje fez sol, o dia foi lindo. Acordei às 7h com o barulho habitual dos tiros e tomei um banho rápido. Antes de sair de casa, parado no portão, olhei para os lados e não vi ninguém armado na rua, assim me senti seguro o suficiente pra comprar pão. A padaria do bairro tinha sido assaltada 10 minutos antes por alguns moleques que nunca foram vistos na comunidade. Bandidos desconhecidos, mais ousados, talvez recém-chegados do Rio de Janeiro, os clientes diziam.
Na rua em frente à padaria percebi que haviam construído uma barricada nova com terra, pedras e entulho. Obra prima da construção civil, possível apenas com o uso de máquinas de grande porte, erguida em poucas horas durante a madrugada, praticamente sem fazer barulho.
De novo em casa, sentei à mesa da cozinha pra tomar café da manhã mas tive que levantar pra fechar as janelas, o som de funk que vinha do vizinho estava alto demais. Não eram nem oito horas da manhã. O barulho começa cedo nos dias de resenha entre os jovens.
Terminei de me arrumar e no caminho pro trabalho fiquei irritado de verdade. Um cara empinando a moto, fazendo um barulho horrível, passou raspando do meu lado. Não respeitam mais ninguém. Será que é doido e não me viu na rua? Eu andaria na calçada se existisse calçada em São Gonçalo. Quando existem, são apenas uma passagem cheia de lixo, mato ou buraco e o pedestre é obrigado a se arriscar na rua.
Parado no ponto de ônibus, sem banco e sem cobertura, embaixo de um sol capaz de rachar o asfalto, o alívio só veio quando entrei no coletivo. Moro em São Gonçalo há 30 anos e finalmente rodam ônibus na cidade com ar-condicionado, graças ao esforço dos incríveis parlamentares gonçalenses, em especial o vereador Eduardo Gordo, autor do projeto de lei.
Na volta pra casa, após o fim do expediente, tomei um susto. Minha rua estava lotada, um balão tinha acabado de cair. Escalaram o muro do meu vizinho e invadiram a casa dele, tudo por causa do balão. Algumas senhoras, vestidas a caráter, reclamavam na esquina que interromperam sem avisar as aulas de zumba patrocinadas por um candidato a deputado estadual. Ele não foi eleito e ficou revoltado por ter recebido poucos votos nas zonas eleitorais da região.
Deitei pra dormir agora há pouco, cansado. A roupa que eu tinha deixado no varal pra secar mudou de cor, para preto. Tive que lavar, alguém colocou fogo no mato outra vez. Mas o dia foi bom. Por milagre, São Gonçalo guarda certa ligação especial com a inocência do mundo. A luz da lua está iluminando a janela do meu quarto. A noite está limpa, estrelada, e tem um cheiro fresco no ar que não sei de onde vem. Pena que começaram os tiros de novo.
O post Um dia feliz em São Gonçalo apareceu primeiro em Mário Lima Jr..


Mário Lima Jr é renomado cronista urbano gonçalense, inclusive com texto publicado no Jornal do Brasil