sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Um dia dos Pais para esquecer e lembrar


Eu tive 4 filhos naturais, um menino, o Pedro e três meninas, a Virgínia, a Dilce e a Helen e duas outras meninas emprestadas, uma delas a quem dei meu sobrenome e a Danielly que criei e tenho como filha natural também, mas a Virgínia foi a primeira filha natural, era a filha que todo pai queria ter, primeiro que nunca deixou de me procurar, segundo que se preocupava comigo, tanto que já com a doença me colocou como dependente sua num plano de saúde desses que dão descontos em algumas clínicas e laboratórios e terceiro que conversava comigo, muito, altos papos, até papos cabeça onde até quando divergiamos, era com respeito e o entendimento de que divergir também é normal e principalmente ouvia meus conselhos  de verdade, pesava na balança, argumentava, mas não deixava nenhum deles cair no chão ou menosprezava e nunca me julgou por nada que eu fizesse, pois sempre me viu  como o seu paizinho. 


(Darc Freitas e Virgínia)


Quando Virgínia nasceu, em 28 de setembro de 1986 eu não fazia nem ideia de como era ser pai de verdade, e no fundo, talvez por medo da responsabilidade, eu nem queria, mas ela veio, e era um bebezinho chorão, chatinha às vezes porque não me deixava dormir direito assim que chegou...

Mas um belo dia, depois que ela abriu os olhinhos, eu olhei pra ela dentro do bercinho e ela me deu o sorriso sem dentes mais lindo que eu já vi em toda a minha vida, e me ganhou de vez, com poucos meses de vida...
Lembro que quando ela tinha 5 aninhos, eu chegava tarde do trabalho, e ela estava sentada no sofá da sala, sozinha, de banho tomado, maria chiquinha, linda, a mãe e os irmãos no andar de cima, já dormindo, e eu perguntava:
- o que a minha corujinha está fazendo acordada à essa hora?
- tô te esperando pai...
E eu tomava banho, jantava e ela dormia com a cabecinha no meu colo, e eu a pegava e subia as escadas pra colocá la em sua cama e após dar um beijinho em cada um, inclusive os que estavam dormindo, voltava pra sala pra terminar trabalhos que às vezes eu levava pra casa. 


(Pai e filha)


Aí veio um momento muito difícil, quando a mãe deles ficou doente, perdendo se no vício de drogas, e eu resolvi ir embora de casa, pois o mundo estava desabando sobre a minha cabeça, e ela me disse então que eu poderia ir, mas quando voltasse, encontraria a todos mortos por veneno de rato. Mas eu fui assim mesmo e naquela noite não consegui dormir, só chorava e pensava numa maneira de resgata los, pois a mãe já não estava mais em seu juízo perfeito. Foi quando tive a idéia de procurar um juiz da vara cível e pedir a guarda de todos eles pra mim, isso já amanhecendo o dia. 

Precisava de um advogado, consegui um que me colocasse na cara do juiz, mas eles começaram a trocar termos técnicos e eu tive que intervir e relatei ao juiz a gravidade da situação e a minha preocupação de que já estivessem todos mortos e eu jamais me perdoaria, quando então o juiz demonstrando uma sensibilidade com a qual eu precisava e contava, chamou um oficial de justiça e mandou buscar todo o mundo no meu antigo endereço, filhos e ex mulher. 
Todos lá ele se trancou durante meia hora com a mãe das crianças e ao término daquela entrevista, mandou que fosse redigido um Termo de Posse e Guarda dos meus filhos e a filha dela para ficar sob meus cuidados. 
E ali eu senti um alívio enorme, a sensação de te los salvo de um destino terrível. Solicitei que o advogado nos levasse até à casa dela para que eu pudesse apanhar algumas mudas de roupas, e disse à mãe deles que ela ficaria com a casa, um duplex no BNH em Marambaia, para que pudesse se tratar e futuramente ter de volta seus filhos. 
Feito isso pedi que me levasse à Cidade Alta, onde moravam minha mãe, minha irmã e sua filha, minha sobrinha, e pedi socorro à elas, pois não tínhamos mais onde ficar, nem eu nem as minhas crianças. 
E foi assim que ao invés de uma, eu consegui duas mães para os meus filhos, as melhores que eles poderiam ter. Infelizmente a mãe deles veio a falecer seis meses depois, uma boa mulher até entregar se às drogas e eu lamentei duas vezes, por mim e por eles. 


(Dor que não cura)


Muitas vezes levei ao Grupo de Escoteiros, onde ela foi Lobinha e vi crescer, sempre com aquele jeitinho meigo e doce, que só ficava irritadinha quando eu chamava de criatura, é ela dizia com aquela voz que nunca se alterava:
- eu não sou criatura...e eu ria, achando  engraçado. 
Quando fez 15 anos eu perguntei se ela iria querer festa, valsa e essas coisas que algumas meninas gostam por tradição, e ela respondeu:
- quero que você me leve ao Rock in Rio!
E foram três noites em claro ao lado do meu bebezinho, um presente pra mim. 
Mais tarde a dúvida de que carreira seguir na Faculdade, pública, pois ela nunca me deu trabalho e sempre teve consciência da nossa situação de uma vida financeira difícil e por isso perdeu noites estudando para passar pra UFF e passou. Quanto orgulho, até porque traçamos juntos uma estratégia para que ela antes de se formar já tivesse empregada e daí seguisse sozinha o seu caminho. 
E no início eu a levava todos os dias à porta do trabalho e a gente trocava beijinhos de despedida, e quando ela ia se afastando eu olhava e dizia pra mim mesmo, que trabalho lindo você fez Darc, parabéns! 
De vez em quando me ligava e eu preocupado perguntava:
- Aconteceu alguma coisa meu amorzinho?
E ela respondia:
- Não, só estou com saudades de você, eu te amo pai...
Quando viajava, trazia sempre um presente pra mim, uma lembrança qualquer...
Agora no finalzinho, larguei tudo pra ficar o mais próximo possível, porque o meu coração já dizia, na hora em que o câncer foi descoberto, que eu iria perde la...
No fundo eu já sabia, mas ainda hoje, após a sua morte eu não quero e não consigo acreditar e menos ainda aceitar. Isso é um pesadelo terrível e eu não vou acordar nunca mais.
Duro ouvi la dizendo que não queria morrer, que precisava viver para cuidar do filhinho, quando o seu corpinho já estava morto nas extremidades ...A sensação de impotência diante do inevitável é uma das piores que um ser humano pode enfrentar. 


Texto de Darc Freitas, um pai guerreiro de São Gonçalo