Texto de Alex Wölbert
Posso dizer com todas as
consoantes e vogais que sou realmente um cara azarado. Não bastava me tirarem a
vida uma semana após completar meus 44 anos na minha querida cidade do Acre, me
ocorreu tempos depois de sepultado, ser novamente morto lá no estado de Rio de
Janeiro em uma cidade chamada São Gonçalo.
Para que o leitor me conheça melhor vou contar um
pouco da minha vida.
Meu nome de batismo é
Francisco Alves Mendes Filho, mas pode me chamar de Chico. Fui intimo para
milhares de pessoas, porque não ser intimo para você amigo leitor.
Nasci no Acre. Brasileiro e me
orgulho disso, afinal como diz o dito popular não desisto nunca, e sempre foi
assim até a hora da minha morte. Poderia ter nascido boliviano, já que até o
século XX o Acre pertencia à Bolívia e graças a luta dos migrantes nordestinos
brasileiros de grande maioria cearense, incluindo com muito orgulho meus pais
que chegaram para tentar a vida como seringueiros, esse pedacinho de terra
passou ao Brasil através do Tratado de Petrópolis intermediado pelo então
ministro do exterior Barão do Rio Branco. Afirmou-se ali que por 2 milhões de
libras esterlinas mais uma parte do território do estado do Mato Grosso o
Brasil ficaria de vez com o Acre. Mas como o assunto não é a minha cidade natal
e sim a minha vida e como acabei morto por duas vezes vou continuar a minha
estória.
Minha vida não foi fácil,
quando criança me embrenhava na mata para acompanhar meu pai. Ele era um grande
homem e um excelente profissional e com a dedicação de um professor me passava
cada detalhe sobre o oficio de seringueiro. Olhava para ele com uma ternura e
não saia da minha cabeça que quando crescesse seria igualzinho a ele.
Não tive oportunidade de me
alfabetizar como uma criança normal de seis ou sete anos. Não tínhamos escolas
e os donos de terras não tinham o menor interesse de cria-las, pois quanto
menos estudo, mais dependentes ficamos. Com isso só aprendi mesmo a ler quando
completei os meus 20 anos. Essa conquista só foi possível com a ajuda de um
grande amigo, Euclides Távola que não só me ensinou a ler e a escrever, mas me
proporcionou o meu interesse pelo destino do planeta e da humanidade. Um
militante comunista que participou ativamente no levante comunista de 1935 em
Fortaleza e ainda na Revolução de 1952 na Bolívia. Nunca mais veria em vida
desde o golpe militar de 1964, mas aquele homem mudou a concepção da minha vida
e a educação passou a ser minha obsessão, queria que todos os companheiros de
trabalho aprendessem a ler e a escrever para não serem roubados nas contas do
patrão. Cem homens sem instrução fazem uma rebelião. Um homem instruído é o
começo de um movimento.
Minha liderança aflorou mesmo
aos meus 31 anos de idade quando cheguei a secretário dos Trabalhadores Rurais
de Brasiléia, presidido por Wilson Pinheiro, grande responsável pela minha veia
ativista. Comecei a participar intensamente das lutas dos meus companheiros
seringueiros para impedir o desmatamento da Amazônia. A união sempre fez a
força e cada companheiro contribuía fielmente na causa. Éramos uma só família
que de mãos dadas impedíamos as maquinas de destruir nossa floresta. Homens,
mulheres, crianças e até vovozinhos davam suas vidas pela floresta, chamávamos
de “EMPATES”. A floresta sempre foi a nossa sobrevivência e de lá ganhamos
nosso pão de cada dia.
Em 1985 o nosso movimento
definitivamente criava corpo e fizemos o primeiro Encontro Nacional dos
Seringueiros. Criamos o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e uma proposta
que garantia defender aos interesses e direitos dos habitantes da floresta por
meio da criação de reservas extrativistas, a “União do Povo da Floresta” que
viria ajudar não só a nós seringueiros, mas indígenas, castanheiros, pequenos
pescadores, quebradeira de coco babaçu e a população ribeirinha.
Nossa causa chamou a atenção
do mundo e membros da ONU nos deram o prazer da visita em nossa Xapuri. Puderam
acompanhar de perto a devastação da floresta e a expulsão dos nossos
companheiros por projetos financiados por bancos internacionais. Essa visita me
encheu ainda mais de coragem e procurei o senado norte-americano para afirmar a
denúncia. O financiamento desses projetos foi interrompido e ganhamos essa
batalha. Essa coragem me proporcionou vários prêmios internacionais, mas
acreditem leitores, no Brasil fui acusado por fazendeiros e políticos de
prejudicar o progresso.
Vê se pode! Eu não luto contra
o progresso, precisamos de empregos e desenvolvimento, mas de um jeito que não
nos mantenha pobres. Passar por cima da nossa gente nunca, nem morto!
Por falar em morto chego ao
momento do texto, em que tenho que falar de como me tiraram a vida. Tenho
certeza que essa morte doeu mais no mundo do que em mim mesmo. O leitor nunca
teve essa experiência com a morte, não é? Claro, pois se tivesse não estaria
passeando por esse texto. Vou te falar meu amigo, é como se fosse alguém
desligando um interruptor. De repente tudo se apaga.
Já tinha recebido ameaças de
morte outras vezes, mas elas aumentaram quando batemos de frente com o
fazendeiro Darly Alves da Silva que decidiu desmatar o seringal Cachoeira. O
seringal já tinha sido desapropriado para a criação de uma reserva
extrativista. Sem pensar duas vezes liderei meu povo e fizemos o “empate” no
terreno. Denunciei que estava sendo ameaçado por Darly e um mandato de prisão
chegou a ser emitido, mas o malandro fugiu antes do mandato chegar. Dias depois
quando saia de casa para tomar meu banho fui surpreendido na porta dos fundos
da minha casa com um tiro de escopeta no peito. E ai veio a escuridão.
Minha morte fortaleceu não só
a nossa luta pela floresta amazônica, mas meu nome virou sinônimo de proteção
ao meio ambiente e biodiversidade. Eu renasci em várias formas de homenagem.
Renasci em forma de Institutos, praças, avenidas, escolas, e muitas outras pelo
mundo.
Fiquei muito feliz com cada
homenagem, mas uma em especial mexeu comigo. Aconteceu lá no Rio de Janeiro,
para ser mais preciso na cidade de São Gonçalo em outubro de 1992. Ano que o
mundo tomava consciência ecológica e coincidência ou não, ano da ECO92.
Nascia uma praça, a Praça
Chico Mendes. Nenhuma família precisou ser desapropriada, o espaço utilizado
era justamente o espaço onde passavam os trilhos de ligação para Estação Raul
Veiga da saudosa Estrada de Ferro Maricá. Tão importante para economia da
cidade e até do Brasil. Nela passava uma grande parte das laranjas que eram
exportadas para os gringos.
Mas voltando a praça, foi toda
arborizada tornando o lugar bem arejado para as famílias que frequentavam e
aproveitando plantando o verde na cidade. Possuía uma quadra onde adolescente
podiam praticar seu esporte favorito. Como era bom apreciar aqui de cima a
galera do basquete treinando os arremessos. Bem cedinho os vovôs e as vovós
utilizavam a quadra para se exercitarem ao som de musica ritmada sobre a
orientação de uma linda e sarada personal. Desculpe-me leitor, morri, mas o
instinto de homem falou mais alto. Era de ficar de queixo caído admirando as
manobras radicais da galera do skate na única pista da cidade.
A praça era frequentada por
várias tribos diferentes e em perfeita Harmonia. Essa harmonia durou exatos 20
anos quando o povo de São Gonçalo elegeu uma prefeita que cismou com a coitada
da praça. Queria porque queria que o nome fosse substituído para Praça da
Bíblia. Eu não fiquei chateado com o nome, afinal ser substituído pelo livro
sagrado é uma honra pra mim, mas aquela senhora de cabelos vermelhos tipo o do
Curupíra foi além.
A quadra e a pista de skate
sumiram definitivamente e em seus lugares forma colocados estruturas metálicas
formando alguma coisa que sinceramente não sei explicar. Bom, vou tentar narrar
aos olhos do arquiteto que criou essa maravilha da arte contemporânea. Se
Niemeyer desse uma voltinha em São Gonçalo e visse essa obra rasgaria o diploma
de tanta raiva. “- Ao adentrar os portões da suntuosa Praça da Bíblia os
senhores avistarão um chafariz lindíssimo que representa a água da vida,
andando mais um pouco os senhores passarão por uma estrutura metálica com
painéis que representam o velho testamento, no final olhando para cima uma
grande cúpula que representa o útero que dá a vida.
Continuando encontraremos
estruturas metálicas representando o velho testamento e finalmente os portões
representa a saída do mundo ocidental”. Água da vida, útero, portões para saída
do mundo ocidental? Viajou! Isso lá no Acre tem nome, maconha, muita maconha!!!
A realidade de quem vê é uma praça triste com um chafariz que não tem água, uma
estrutura metálica que já se encontra enferrujada, painéis que não existem
mais, voaram como pipas e portões que nunca foram abertos desde a sua
inauguração em dezembro do ano passado. E tudo isso com uma verba de 2 milhões
de reais. Com dois milhões de reais eu compraria o Acre todinho para mim.
E essa foi um pedacinho da
minha estória e tenho certeza que muitas homenagens terei pela frente e no
coração de cada gonçalense estarei presente para sempre.
Não entendi até hoje o que é que fizeram c/ a praça e porque tiraram o nome dela !!!
ResponderExcluirDesculpe o desabafo mais dinheiro jogado fora...