sexta-feira, 22 de abril de 2016

Hoje, lembrei de Zuzu

(imagem: blogdacidadania.com.br)

Bem, meus cumprimentos a todos. Eu me chamo Agliberto e os meus pais foram militantes do Partido Comunista Brasileiro que, em alguns poucos momentos, esteve na legalidade, mas na maior parte de sua existência foi obrigado a fazer política na clandestinidade.

Os meus pais me deram esse nome em homenagem ao então capitão do exército Agliberto Vieira de Azevedo, um sergipano que apesar de ingressar e fazer carreira nas Forças Armadas, de onde acabou sendo expulso, sempre foi militante do chamado "Partidão".

O Capitão Agliberto era um ícone do Partido por ser "campeão de cadeia". A sua primeira condenação foi de 27 anos, em regime fechado. Foi anistiado e novamente condenado e torturado em outras ocasiões. Somando todo o período passado atrás das grades, foram mais ou menos 15 anos de cadeias e torturas que deixaram sequelas.

Me lembro de quando ainda criança frequentar o Comitê Central do Partido Comunista. Funcionava em um prédio localizado em uma rua estreita, na Cinelândia.
(Carlos Marighella, imagem Wikipédia)
Nessa época convivi com pessoas que hoje estão nos livros de História. Marighela era um homem alto, forte, "cara de brabo", visto pelos seus pares como um exemplo de coragem, destemido.

(Luiz Carlos Prestes, imagem Wikipédia)
Luiz Carlos Prestes, o "Cavaleiro da Esperança", Presidente do Partido Comunista, chamado de "O Velho", era uma dor de cabeça em questões de segurança. Cismava, e do nada, passeava pelas ruas do centro, sem que seus companheiros soubessem.

(Oscar Niemeyer, imagem Wikipédia)
O arquiteto Oscar Niemeyer era simpatizante e apoiador financeiro do partido. Organizava almoços em sua casa, na Estrada das Canoas, cobrava pelo evento e repassava os valores ao partido. Sua casa era muito curiosa. Espelhada, no meio da floresta, com banheiros subterrâneos e pedras naturais, que em plena sala surgiam do chão.


(Iuri Gagarin, imagem Wikipédia)
O Partido trouxe ao Brasil o astronauta russo Yuri Gagarin, autor da célebre frase "A terra é azul". Foi na Associação Brasileira de Imprensa, se não me falha a memória. Eu o abracei e apertei a sua mão. Era um homem muito alto, forte, e de cor vermelha, ou melhor, uma mistura esquisita de "branquelo" e rosado.


(Mimeógrafo, Wikipédia)

No Comitê Central, a gente imprimia documentos usando um mimeógrafo movido a álcool, caramba, isso é história pura.

É difícil quem viveu a clandestinidade explicar como é, para quem não passou por isso. Por exemplo, na clandestinidade a pessoa não tem personalidade, vida própria. A certidão de nascimento diz que ela se chama Maria Aparecida, mas no dia a dia, para todos, ela é "Rose". E em todos os documentos impressos no partido ela é "Rose". Então a primeira coisa que o clandestino perde é o seu nome. Também não há eventos, aniversários, casamentos, os filhos não vão a "baladas". As atividades são  "de casa pro partido", "do partido pra casa", e, quem estuda, "de casa para a escola", "da escola pra casa", sem amizades íntimas, pois você  não pode dividir a sua vida com qualquer pessoa.

Imagina, você tem um tio, um sobrinho, uma cunhada, ou um amigo, que há muito você não encontra. Aí, em plena rua, "dá de cara" com essa pessoa. E ela abaixa a cabeça, finge que não lhe conhece, e segue em frente, a passos largos, ritmo acelerado. Por que ela corre perigo e você também. Isso é a clandestinidade.

Aos 11 anos de idade passei em um concurso de ingresso para o Colégio Pedro II. Então minha família me deu um presente, uma pequena viagem. Eu saí do Aterro da Glória, no Rio de Janeiro,  e fui passar trinta dias em uma casa paulista de familiares de Luiz Carlos Prestes, Presidente do Partido.

Eu era criança, qualquer coisa me divertia. Havia livros na casa, eu sempre gostei de ler. Mas já adulto achei engraçado, o meu prêmio foi ficar 30 dias em uma casa fechada, vigiada pela polícia, e a gente nunca saia pra lugar algum, foi engraçado, rsrsrs

No dia em que aconteceu o golpe militar, me lembro de minha casa invadida pela polícia. É claro, quem eles procuravam não estava mais ali. Eu passei a noite e a madrugada anterior cortando, com tesoura, nomes de militantes do partido em documentos impressos. Eu cortava em tiras e escondia atrás das placas de interruptores de luz. Como pode uma criança de 11 anos ser tão esperta e tão inocente? rsrsrs

(imagem, palavraoperária.org)
O tempo passa, vou tocando a minha vida, e de repente me vejo, 15 ou 16 anos, nas ruas do centro da cidade lutando contra a ditadura. Era tudo muito rebelde, muito lúdico. A gente pixava nos muros "abaixo a ditadura", havia comícios relâmpagos, alguém subia em um caixote, discursava por mais ou menos 3 minutos e fugia (lembro do ator Cláudio Marzo fazendo isso). Bombas de gás, bolinhas de gude para a cavalaria,  o tanque militar "Brucutu" jogando água, cassetetes, nada nos parava. Estávamos divididos em grupos, cinco, seis, sete pessoas. Eles atacavam, a gente corria e se encontrava novamente em outro local já combinado.

(Imagem www.mepr.org.br)
Manifestações, povo nas ruas, juventude forte, atuante,  a Ditadura estava no fim, a gente sabia que a luta estava ganha. Mas aí eis que surge 1968, o ano da desgraça. A Ditadura militar nos apresenta a sua face mais cruel. Sem Congresso, sem Imprensa, sem garantias, sem direitos individuais, prisões, torturas, assassinatos, desaparecimento de corpos, não havia mais o que fazer. Meus amigos de luta desapareceram, acho que, por medo. Eu também tinha muito medo, não queria ser preso, ser torturado nem pensar, não tenho resistência a isso. Meu corpo lançado de um avião ou jogado ao mar, sem um enterro digno, como conviver com esse cenário? Nesse momento eu desisti, mas outros mais fortes, preparados e desapegados prosseguiram. Dos que prosseguiram, muitos sobreviveram.

(o estudante Stuart e sua mãe, Zuzu Angel, imagem Wikipédia)

Zuleika Angel Jones foi uma famosa estilista brasileira, reconhecida além daqui, mundo afora. Seu filho, o estudante Stuart Angel Jones, militante político de esquerda,  foi preso por agentes policiais em junho de 1971. Em seguida foi torturado, assassinado e o seu corpo desapareceu.

(imagem, Wikipédia)
Zuzu Angel, como era conhecida, faleceu vítima de um atentado, em Abril  de 1976, sem alcançar  o grande objetivo de sua luta: enterrar o corpo do seu filho.

Sobre o autor:
Agliberto Mendes é editor do Blog do Vovozinho,  da Página do Facebook Registro Geral, e também atua como debatedor convidado, no programa "Bom dia SG", da TV Ponto de Vista, Facebook: Agliberto Mendes

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