(imagem: blogdacidadania.com.br) |
Os meus pais me deram esse
nome em homenagem ao então capitão do exército Agliberto Vieira de Azevedo, um sergipano que apesar
de ingressar e fazer carreira nas Forças Armadas, de onde acabou sendo expulso, sempre foi militante do
chamado "Partidão".
O Capitão Agliberto era um
ícone do Partido por ser "campeão de cadeia". A sua primeira
condenação foi de 27 anos, em regime fechado. Foi anistiado e novamente condenado e torturado em outras ocasiões. Somando todo o período passado atrás
das grades, foram mais ou menos 15 anos de cadeias e torturas que deixaram sequelas.
Me lembro de quando ainda
criança frequentar o Comitê Central do Partido Comunista. Funcionava em um
prédio localizado em uma rua estreita, na Cinelândia.
Nessa época convivi com
pessoas que hoje estão nos livros de História. Marighela era um homem alto,
forte, "cara de brabo", visto pelos seus pares como um exemplo de
coragem, destemido.(Carlos Marighella, imagem Wikipédia) |
Luiz Carlos Prestes, o "Cavaleiro da Esperança", Presidente do Partido Comunista, chamado de "O Velho", era uma dor de cabeça em questões de segurança. Cismava, e do nada, passeava pelas ruas do centro, sem que seus companheiros soubessem.
O arquiteto Oscar Niemeyer era simpatizante e apoiador financeiro do partido. Organizava almoços em sua casa, na Estrada das Canoas, cobrava pelo evento e repassava os valores ao partido. Sua casa era muito curiosa. Espelhada, no meio da floresta, com banheiros subterrâneos e pedras naturais, que em plena sala surgiam do chão.
O Partido trouxe ao Brasil o astronauta russo Yuri Gagarin, autor da célebre frase "A terra é azul". Foi na Associação Brasileira de Imprensa, se não me falha a memória. Eu o abracei e apertei a sua mão. Era um homem muito alto, forte, e de cor vermelha, ou melhor, uma mistura esquisita de "branquelo" e rosado.
(Mimeógrafo, Wikipédia) |
No Comitê Central, a gente
imprimia documentos usando um mimeógrafo movido a álcool, caramba, isso é
história pura.
É difícil quem viveu a
clandestinidade explicar como é, para quem não passou por isso. Por exemplo, na
clandestinidade a pessoa não tem personalidade, vida própria. A certidão de
nascimento diz que ela se chama Maria Aparecida, mas no dia a dia, para todos,
ela é "Rose". E em todos os documentos impressos no partido ela é
"Rose". Então a primeira coisa que o clandestino perde é o seu nome.
Também não há eventos, aniversários, casamentos, os filhos não vão a
"baladas". As atividades são "de casa pro partido", "do
partido pra casa", e, quem estuda, "de casa para a escola", "da
escola pra casa", sem amizades íntimas, pois você não pode dividir a sua vida com qualquer pessoa.
Imagina, você tem um tio,
um sobrinho, uma cunhada, ou um amigo, que há muito você não encontra. Aí, em
plena rua, "dá de cara" com essa pessoa. E ela abaixa a cabeça, finge
que não lhe conhece, e segue em frente, a passos largos, ritmo acelerado. Por
que ela corre perigo e você também. Isso é a clandestinidade.
Aos 11 anos de idade passei em um concurso de ingresso para o Colégio Pedro II. Então minha
família me deu um presente, uma pequena viagem. Eu saí do Aterro da Glória, no
Rio de Janeiro, e fui passar trinta dias
em uma casa paulista de familiares de Luiz Carlos Prestes, Presidente do Partido.
Eu era criança, qualquer
coisa me divertia. Havia livros na casa, eu sempre gostei de ler. Mas já
adulto achei engraçado, o meu prêmio foi ficar 30 dias em uma casa fechada, vigiada
pela polícia, e a gente nunca saia pra lugar algum, foi engraçado, rsrsrs
No dia em que aconteceu o
golpe militar, me lembro de minha casa invadida pela polícia. É claro, quem
eles procuravam não estava mais ali. Eu passei a noite e a madrugada anterior cortando, com tesoura, nomes de militantes do partido em documentos impressos. Eu
cortava em tiras e escondia atrás das placas de interruptores de luz. Como
pode uma criança de 11 anos ser tão esperta e tão inocente? rsrsrs
O tempo passa, vou tocando
a minha vida, e de repente me vejo, 15 ou 16 anos, nas ruas do centro da
cidade lutando contra a ditadura. Era tudo muito rebelde, muito lúdico. A
gente pixava nos muros "abaixo a ditadura", havia comícios
relâmpagos, alguém subia em um caixote, discursava por mais ou menos 3
minutos e fugia (lembro do ator Cláudio Marzo fazendo isso). Bombas de gás, bolinhas de gude para a cavalaria, o tanque militar "Brucutu" jogando
água, cassetetes, nada nos parava. Estávamos divididos em grupos, cinco, seis,
sete pessoas. Eles atacavam, a gente corria e se encontrava novamente em outro
local já combinado.
Manifestações, povo nas
ruas, juventude forte, atuante, a
Ditadura estava no fim, a gente sabia que a luta estava ganha. Mas aí eis que
surge 1968, o ano da desgraça. A Ditadura militar nos apresenta a sua face mais
cruel. Sem Congresso, sem Imprensa, sem garantias, sem direitos individuais,
prisões, torturas, assassinatos, desaparecimento de corpos, não havia mais o
que fazer. Meus amigos de luta desapareceram, acho que, por medo. Eu também tinha muito medo, não queria ser preso, ser torturado nem pensar, não tenho resistência a isso. Meu corpo lançado de um avião ou jogado ao mar, sem
um enterro digno, como conviver com esse cenário? Nesse momento eu desisti,
mas outros mais fortes, preparados e desapegados prosseguiram. Dos que
prosseguiram, muitos sobreviveram.
(imagem, palavraoperária.org) |
(Imagem www.mepr.org.br) |
(o estudante Stuart e sua mãe, Zuzu Angel, imagem Wikipédia) |
Zuleika Angel
Jones foi uma famosa estilista brasileira, reconhecida além daqui, mundo afora.
Seu filho, o estudante Stuart Angel Jones, militante político de esquerda, foi preso por agentes policiais em junho de
1971. Em seguida foi torturado, assassinado e o seu corpo desapareceu.
Zuzu Angel,
como era conhecida, faleceu vítima de um atentado, em Abril de 1976, sem alcançar o grande objetivo de sua luta: enterrar o
corpo do seu filho.(imagem, Wikipédia) |
Agliberto Mendes é editor do Blog do Vovozinho, da Página do Facebook Registro Geral, e também atua como debatedor convidado, no programa "Bom dia SG", da TV Ponto de Vista, Facebook: Agliberto Mendes
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