Estava escrito no asfalto “Bom dia, Jesus te ama” e tinha um vaso com flores artificiais no chão, abaixo do texto. Quem descesse o Morro da Caixa d’Água, no Vila Três, pela rua Manoel Ivo e lesse a mensagem se sentiria amado, mesmo que não acreditasse em Jesus. Não era normal o carinho que colocaram na mensagem, escrita com giz branco. Pintaram uma letra delicada, ao redor do vaso fizeram raios como os do sol. Tentativa de irradiar esperança e alegria para gonçalenses massacrados pela violência, que têm vergonha dos buracos de bala no portão da casa onde moram.
Há nenhuma arte exposta nas ruas de São Gonçalo além das expressões ligadas ao movimento hip-hop, que leva, por exemplo, literatura, oficinas de desenho e grafite às praças. Criatividade nós temos. Quando o camelô mais famoso da cidade, Marcelo “Fala Jow”, passa correndo de bicicleta e assoviando alto nas ruas do Raul Veiga, as crianças gritam o nome dele e pedem para ele esperar. O assovio cria, no trânsito constantemente engarrafado, outro tipo de paralisia, o choque diante do inusitado. De vez em quando Marcelo atende aos pedidos, brinca com a criançada, faz rima e canta rap. O hip-hop outra vez.
O carro velho que vende peixe, com a mala aberta, nos bairros ao redor do Alcântara anuncia sua mercadoria usando a gravação de um homem imitando uma criança dizendo “Mamãe, mamãe, mamãe, olha o coração do peixe, olha o coração do peixe, tá batendo, tá batendo”. Uma das manifestações da ingenuidade popular e da precariedade de métodos, em plena era do conhecimento, mais legítimas do município. Impossível não achar graça, ainda que você esteja prestes a passar por cima de uma vala de esgoto que corre a céu aberto há anos ou a enfrentar quase três horas de engarrafamento para sair de São Gonçalo em direção ao Rio de Janeiro.
É surpreendente, revoltante e bizarro que existam sistemas de som clandestinos pendurados nos postes de luz em diversos bairros, inclusive a menos de cinquenta metros da Prefeitura Municipal, no Centro, e da Câmara de Vereadores, no bairro Zé Garoto (o nome não nega a inocência). Aqui a poluição sonora é tão grande quanto a visual e a do ar. Incomoda, prejudica à saúde e é preciso punir os responsáveis. Mas, do jeito que continua desde sempre, tomada pela informalidade e por pilhas de plástico e de papelão que resultam da atividade comercial regular e irregular, São Gonçalo seria uma cidade de zumbis vagantes, em alguns pontos, ou um cemitério silencioso, feio e sujo, em outros, sem a gritaria das vendedoras de chip para celular, quem também usam caixas de som penduradas na barriga, e sem os anúncios ilegais que vêm dos postes de luz contra a impotência masculina. Como se uma voz celestial recomendasse a atividade sexual plena como solução para os problemas municipais.
Anos atrás, no mesmo bairro em que escreveram essa semana a mensagem de bom-dia, alguém recolheu os copos de plástico espalhados na grama e pendurou em um galho seco fincado no chão. Ficou bonito, pareceu um Natal antecipado. São Gonçalo conta com loucos que insistem em criar manifestações de amor.
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