sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Samaritano, o Lar




                                           (Texto de  Jorge Cesar Pereira Nunes)

                    Nascido em Arrozal, Piraí, RJ, em três de agosto de 1877, Aníbal José dos Santos Nora (filho de Bazílio José dos Santos Nora e Maria Rita dos Santos Nora) formou-se cedo como reverendo pela Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, quando ela era ainda incipiente no Brasil. No afã de estendê-la, aceitou a missão de implantá-la em Alto Jequitibá, MG, onde chegou em nove de setembro de 1908. Em 45 dias, percorreu toda a região que caberia à sua administração e, noivo, retornou à cidade do Rio de Janeiro para casar-se, em 21 de novembro, com Constância [Lemos] Nora (filha de Francisco Paulo Pereira Lemos e Joana Assinore Lemos). A lua de mel foi rápida e já no dia três de dezembro chegava de novo a Alto Jequitibá. Em oito de novembro de 1911, inaugurou o novo templo e ensinou aos fiéis que a grande festa anual haveria de ser sempre sete de setembro, por ser não só a de independência do Brasil como a de liberdade religiosa no Brasil.
                    Porém, ele e a esposa viram que era preciso fazer mais do que somente a difusão do Evangelho: como não havia escolas primárias em número suficiente para atender a todas as crianças locais, criaram uma, em 1917, recebendo 70 alunos no andar superior da casa paroquial. Foi o embrião do que viria a ser o Ginásio Evangélico, sob a divisa “O temor de Deus é o princípio da sabedoria”, e é o atual Colégio Evangélico, que ainda existe naquela cidade mineira.

(imagem, tafulhar.com.br)

                    Suas atividades eram tantas e tão produtivas, que ele foi encarregado de várias missões em diversos pontos do território nacional, de 1927 a 1940, até que, neste último ano, foi encarregado de implantar a Igreja Presbiteriana em São Gonçalo. Era 14 de julho quando ele começou suas pregações em uma casa alugada no bairro Barro Vermelho. Espaço insuficiente para abrigar o crescente número de fiéis, começou a procurar uma área maior e em ponto mais central do município. Motivou-o o fato de haver sido procurado por uma família que precisava de um barraco para residir. Via que, aqui, o problema maior não era a falta de escolas, mas a inexistência de abrigo para pessoas carentes. Afinal, somente uma instituição social, o Asilo Amor ao Próximo, estava em funcionamento e apenas uma segunda, o Abrigo do Cristo Redentor, estava em vias de inaugurar-se, mas ambas ainda eram insuficientes para atender a demanda.


(imagem, osaogoncalo.com.br)

                    A família que o procurara contara uma história muito comum na cidade desde o século XIX: alugara um terreno em fazenda, plantara-o com um belo laranjal e, quando vieram os frutos, o fazendeiro rompeu o contrato e alugou a mesma área para outra pessoa, a valor bem alto, pagando àquela família uma indenização de 5 mil réis por suas benfeitorias, valor todo usado para o pagamento de dívidas, inclusive com o dono das terras. Esta era uma prática tão comum (apesar de altamente injusta) que já em 1827 lavradores das freguesias de São João Batista (futura Niterói) e de São Gonçalo requereram à Câmara de Deputados da Assembleia Legislativa Geral do Império, na corte, que os arrendamentos fossem reduzidos a aforamentos perpétuos, para evitar que os proprietários fizessem nova locação com avaliação lesiva das benfeitorias. Na sessão de cinco de julho daquele mesmo ano, os legisladores indeferiram o pedido com base em parecer da Comissão de Legislação, firmado pelos deputados Antônio de Souza Teles, José Gregório de Miranda Ribeiro, José da Cruz Ferreira, Antônio Augusto da Silva e José Carlos Pereira Torres, alegando tratar-se de ataque ao direito de propriedade. Mais de cem anos depois, o panorama era o mesmo.
                    Era preciso encontrar uma solução e ela seria muito custosa, sabia-o Aníbal Nora, pois o terreno haveria de ser suficientemente grande para receber a igreja e também um asilo. Com fé, ele foi para o centro da cidade e eis que encontra Manoel Pita, também evangélico, mas da Igreja Congregacional, que lhe segredou: estava à venda, sem ser anunciado, um terreno na Rua Francisco Portela, 2767, ao frente ao que eram as ruínas do armazém de José Alves de Azevedo, o “Zé Garoto”, e que foi o antigo Fórum de São Gonçalo e hoje (2017) é sede da Câmara Municipal. Era ótimo, mas caro, pelo tamanho e pela localização: 10 contos de réis. Nora recorreu a um cunhado, que prontamente lhe emprestou 8 contos de réis e passou a fazer coleta com outros companheiros, até juntar a importância e ir ao proprietário do imóvel, advogado João Francisco da Matta (1893, São Gonçalo/1960, Niterói), que, embora católico, ficou entusiasmado com a proposta social e vendeu a área por 9 contos de réis, destinando um conto de réis para as obras que viriam a seguir. Com trabalho voluntário e compras de material a prazo no comércio local, Nora conseguiu, já em 10 de novembro de 1941, inaugurar o prédio principal do Lar Samaritano (que fora juridicamente fundado em março anterior), tendo como orador principal da solenidade o reverendo Galdino Moreira. Assim, ele abrigou imediatamente a família de agricultores que o procurara um ano antes e começou a acolher idosos.

(imagem, slideshare.net)

                    Mesmo aposentado, em 1948, das funções de reverendo, Aníbal Nora continuou olhando pelo Lar Samaritano, na condição de presidente honorário, até seu falecimento (sem deixar descendentes), em 15 de janeiro de 1971. E, nesses 23 anos, continuou a evangelizar; declarou, em 1951, a senhora Alzira Vargas do Amaral Peixoto (primeira dama do antigo RJ) presidente de honra da instituição; publicou vários livros (entre eles, “Explicação Popular do Apocalipse”, na década de 1950, pela editora O Puritano, e “Verdades Luminosas”, em 1962, pela editora Princeps); defendeu, em 1943, a utilização das áreas saneadas pelo governo federal na Baixada Fluminense por agricultura permanente, com o plantio de eucalipto, coco da Bahia, mamona, soja e maniçoba; e participou do Movimento Popular de Alfabetização lançado pelo governador Roberto Silveira, instalando uma escola para adultos, que recebeu seu nome, em Pachecos, inaugurada pelo próprio chefe do executivo estadual em cinco de abril de 1960. Aníbal Nora é patrono de rua no bairro do Coelho e a direção geral do Lar Samaritano neste ano de 2014 é ocupada pelo reverendo Genésio Ferreira, responsável pelo atendimento a 65 internos (24 masculinos e 41 femininos) que ali se encontram.


Jorge Cesar Pereira Nunes é Bacharel em Direito, Jornalista e Pesquisador da História de São Gonçalo.
É, também, autor das seguintes obras:
A criação de municípios no Estado do Rio de Janeiro;
Chefes de Executivo e Vice-Prefeitos de São Gonçalo;
Dirigentes Gonçalenses - Perfis;
Crônicas Históricas Gonçalenses I, II e III.

Fontes: Anais da Câmara dos Deputados da Assembleia Geral Legislativa do Império, em 1827, página 584.
             Registro de casamento nº 208, do livro nº 15, páginas 72 verso e 73, do Cartório da 7ª Circunscrição da Cidade do Rio de Janeiro.
             As Ruas Contam Seus Nomes, de Emmanuel de Macedo Soares, página 540.
             Relato do reverendo Aníbal Nora, feito em 1965.
             O São Gonçalo, 09-11-1941, p. 2; e 12-01-1948, p. 1.
             A Noite, 25-05-1943, p. 9; e 05-10-1951, p. 11.
             Correio da Manhã, 06-04-1960, p. 4.

3 comentários:

  1. Ótima história e ótima reportagem! Como faço para ter acesso às fontes? Me interessei principalmente sobre o livro Relato do reverendo Aníbal Nora.

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  2. Bruno, perdão, só pude acessar hoje, vou verificar e te retorno aqui o mais breve possível, grato.

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