sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O Centenário do Cinema

(Texto de Jorge Cesar Pereira Nunes)


Passou em brancas nuvens o centenário da presença de salas de cinema em São Gonçalo. Mas, apesar disso, ainda vale a pena registrá-lo. Foi a 10 de fevereiro de 1908 que Arthur Seses instalou um cinematógrafo marca Pathé, sob a denominação de Sul-América, na Vila de São Gonçalo (isto é, o centro da cidade), que funcionava graças a um gerador próprio, pois aqui ainda não chegara a energia elétrica. Pouco depois, a primeiro de maio, um outro começava a funcionar em Neves, enquanto o primeiro encerrava suas atividades.
                   Durou pouco o da área central, mas logo após chegava um novo, graças a Acácio Andrade e Antenor Guimarães, que instalaram um cinematógrafo em primeiro de agosto de 1908, ainda funcionando com gerador, equipamento que tanto ali quanto em Neves seria desnecessário, com a chegada da energia elétrica a Neves, Porto Velho e Vila em 20 de setembro daquele ano, permitindo que um ano e nove meses depois, em cinco de junho de 1910, o dentista e futuro prefeito Américo José Ribeiro inaugurasse o Cinema Neves, o de mais longa vida na cidade.
                   Como Neves era o nosso principal bairro, graças às suas indústrias, ao porto e ao então já extinto Hipódromo Guanabara, e ganhara seu cassino, neste também funcionava um cinematógrafo e eram exibidas peças teatrais, como a revista de costumes encenada em 20 de maio de 1911, pouco antes de seu proprietário, José Gonçalves, vendê-lo e retornar a Portugal, seu país de origem, em oito de agosto. Mas seus sucessores mantiveram a casa de espetáculos, reformaram-na e inauguraram sua nova fase em 20 de abril de 1912 com a apresentação de um drama pela Companhia Dramática Nacional. E, nos fins de semana, os filmes. Em 1926, Neves ganhava mais um cinema, o Cine-Teatro São José, na Rua Oliveira Botelho, 380, iniciativa do empresário Paulo Couto, que o transferiu no ano seguinte ao seu filho, Eduardo Couto, cabendo a este dinamizá-lo com a contratação da Trupe Fluminense, de grande sucesso por meses seguidos.
                   Na Vila, o único cinema já trocara de mãos: agora se chamava Progresso e seu proprietário era Francisco Vieira dos Santos que, em 28 de agosto de 1912, anunciava sessões aos sábados e domingos. A guerra de propaganda tinha início e o Cinema Neves divulgava para 23 de agosto de 1913 a apresentação da “grandiosa fita A Grande Audácia, em seis partes longas, com hora e meia de projeção, e mais duas fitas”, até que Américo Ribeiro o vendeu, em abril de 1916, para o jornalista Turíbio da Rosa Tinoco (que fundaria o jornal A Comarca na década de 1920 e que circulou até meados dos anos de 1950).
                   No fim da década de 1910, o Cinema Progresso troca de nome e passa a chamar-se São Gonçalo, servindo também para outras atividades culturais, como o festival cine-lírico realizado em oito de março de 1921 em benefício do Tamoio FC. Porém, sua qualidade já deixava a desejar e o empresário João Fernandes Eiras decidiu construir um novo cinema na Rua Moreira César (centro), tendo sido as obras iniciadas em 1925 e inauguradas em 27 de fevereiro de 1926. Chamava-se Cine-Teatro Estrela do Norte.
                   Nele, em 25 de março seguinte, viria a apresentar-se a Companhia Nacional de Revistas, dirigida pelo maestro Francisco Léo, e também a atriz brasileira Cecy Porto, em 22 de julho. Passou de mãos logo em seguida, adquirido por Francisco Tavares, em outubro daquele ano, quando a companhia do artista Eduardo Pereira veio a ali apresentar-se nos dias 30 e 31. A tradição de utilização dos cinemas para eventos sociais foi mantida, com apresentação de filme e palestra de Jônatas Botelho, em 26 de maio de 1927, em benefício do Círculo Espírita São Jorge, que funcionava na Rua Nilo Peçanha, sob a direção do professor Cizínio Dias.
                   E, em oito de setembro de 1928, o Cine-Teatro Estrela do Norte foi palco da comemoração do primeiro aniversário da escola do Jacaré (atual Colégio Estadual Coronel João Tarcísio Bueno, no Paraíso), com apresentação de coral escolar, ginástica e a opereta “A Ceia Original”, escrita pela diretora do educandário, professora Cândida C. Santos. Em 24 e 25 de dezembro seguinte, nele era apresentada a peça infantil “O Mártir do Calvário”, sob a direção da professora Olga Lyra. Chamado de “elegante teatrinho”, receberia o ator Masson, em 18 de abril de 1929, para festival em benefício do Esporte Clube Alcântara. Dois anos antes, a Vila recebera mais um cinema, o São Gonçalo, de propriedade de Mário Azevedo, filho de José Alves Azevedo, o Zé Garoto, que apresentava filmes de quinta-feira a domingo.
                   Personagem dessa fase do cinema, ainda mudo, era o pianista, que acompanhava a exibição da fita fazendo o fundo musical. Aqui, um teve destaque: era Arquimedes Magalhães Pery. Ele e a esposa, professora Noêmia de Azevedo Pery, residiam no centro da cidade, onde recebiam amigos para saraus semanais. Depois de trabalhar nos Cinemas Neves e Estrela do Norte, foi contratado pelo Cinema Brasil, no Barreto, onde ficou até a chegada do cinema sonoro, na década de 1930.
                   Foram anos de grandes mudanças. Em 1932, o Cine-Teatro Estrela do Norte foi adquirido por Albino Carpi, que trocou seu nome para São José, manteve os filmes nos fins de semana e a cessão para eventos externos. Como a instalação do núcleo integralista de São Gonçalo, em 12 de setembro de 1933, que terminou em pancadaria, e o festival de teatro amador, em 17 de setembro de 1936, em benefício do Asilo Amor ao Próximo, fundado poucos anos antes. No fim da década, passou à propriedade de José Maria Nanci, cuja família deu novo impulso às salas de cinema na cidade.
                   O cinema sonoro já era uma realidade, mas os filmes ainda não eram coloridos, o que não impedia que as salas de exibição começassem a se multiplicar pela cidade. A família Nanci garantiu a melhor rede, constituída pelos Cinemas São José (Zé Garoto), Santa Maria (Porto da Madama) e Nanci (centro), este último inaugurado no princípio da década de 1950 com grande show em que pontificavam artistas nacionais, a exemplo da Rainha do Rádio Emilinha Borba.


                   Além daqueles três, funcionavam na cidade pelo menos mais oito cinemas (Mutuá, Alcântara, Neves, Vitória, Floresta, São Jorge, Nova Cidade e Vera Cruz) e eram eles, ao lado dos clubes sociais e esportivos (Tamoio, Mauá, Vila Lage, Embaixadores, Casa Unidos de Portugal, Bandeirantes, Dínamo, Forte e outros) e de praças públicas (Carlos Gianelli e Maria Estefânia de Carvalho, principalmente), os espaços de lazer, diversão e socialização.
                   Eis que, na década de 1960, a chegada da televisão, antes objeto só dos lares economicamente mais afortunados e já começando a se popularizar, marcou o início do fim dos cinemas. O tiro de misericórdia foi dado pelas fitas de videocassete, o que provocou o fechamento, um a um, de todos os cinemas de São Gonçalo, transformados em casas comerciais, templos religiosos ou edifícios. Houve tentativas de resgatá-los, como os cinemas Tamoio, em Nova Cidade, e São Gonçalo, no centro, na década de 1990, mas os tempos já eram mesmo outros e resultaram infrutíferos os investimentos. Só no princípio da década de 2000 ressurgiram eles, na forma de salas multiplex em shoppings-centers, que atendem aos cinéfilos, mas estão longe do brilho dos antigos cinemas.

Fontes: O Fluminense, 1908-1936, Biblioteca Nacional.
             A Cidade, 05-10-1926, p. 7; e 30-04-1927, p. 8.
             A Gazeta, 1929-1937, acervo de Cezar Augusto de Mattos.
             O São Gonçalo, 1931-1950, arquivo do jornal.  

 
Jorge Cesar Pereira Nunes é Bacharel em Direito, Jornalista e Pesquisador da História de São Gonçalo.
É, também, autor das seguintes obras:
A criação de municípios no Estado do Rio de Janeiro;
Chefes de Executivo e Vice-Prefeitos de São Gonçalo;
Dirigentes Gonçalenses - Perfis;
Crônicas Históricas Gonçalenses I e II.
                       
                          
                       

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