Passou
em brancas nuvens o centenário da presença de salas de cinema em São Gonçalo. Mas,
apesar disso, ainda vale a pena registrá-lo. Foi a 10 de fevereiro de 1908 que
Arthur Seses instalou um cinematógrafo marca Pathé, sob a denominação de Sul-América,
na Vila de São Gonçalo (isto é, o centro da cidade), que funcionava graças a um
gerador próprio, pois aqui ainda não chegara a energia elétrica. Pouco depois,
a primeiro de maio, um outro começava a funcionar em Neves, enquanto o primeiro
encerrava suas atividades.
Durou pouco o da área
central, mas logo após chegava um novo, graças a Acácio Andrade e Antenor
Guimarães, que instalaram um cinematógrafo em primeiro de agosto de 1908, ainda
funcionando com gerador, equipamento que tanto ali quanto em Neves seria
desnecessário, com a chegada da energia elétrica a Neves, Porto Velho e Vila em
20 de setembro daquele ano, permitindo que um ano e nove meses depois, em cinco
de junho de 1910, o dentista e futuro prefeito Américo José Ribeiro inaugurasse
o Cinema Neves, o de mais longa vida na cidade.
Como Neves era o nosso
principal bairro, graças às suas indústrias, ao porto e ao então já extinto Hipódromo
Guanabara, e ganhara seu cassino, neste também funcionava um cinematógrafo e
eram exibidas peças teatrais, como a revista de costumes encenada em 20 de maio
de 1911, pouco antes de seu proprietário, José Gonçalves, vendê-lo e retornar a
Portugal, seu país de origem, em oito de agosto. Mas seus sucessores mantiveram
a casa de espetáculos, reformaram-na e inauguraram sua nova fase em 20 de abril
de 1912 com a apresentação de um drama pela Companhia Dramática Nacional. E,
nos fins de semana, os filmes. Em 1926, Neves ganhava mais um cinema, o
Cine-Teatro São José, na Rua Oliveira Botelho, 380, iniciativa do empresário
Paulo Couto, que o transferiu no ano seguinte ao seu filho, Eduardo Couto,
cabendo a este dinamizá-lo com a contratação da Trupe Fluminense, de grande
sucesso por meses seguidos.
Na Vila, o único cinema já
trocara de mãos: agora se chamava Progresso e seu proprietário era Francisco
Vieira dos Santos que, em 28 de agosto de 1912, anunciava sessões aos sábados e
domingos. A guerra de propaganda tinha início e o Cinema Neves divulgava para
23 de agosto de 1913 a
apresentação da “grandiosa fita A Grande Audácia, em seis partes longas, com
hora e meia de projeção, e mais duas fitas”, até que Américo Ribeiro o vendeu,
em abril de 1916, para o jornalista Turíbio da Rosa Tinoco (que fundaria o
jornal A Comarca na década de 1920 e que circulou até meados dos anos de 1950).
No fim da década de 1910, o
Cinema Progresso troca de nome e passa a chamar-se São Gonçalo, servindo também
para outras atividades culturais, como o festival cine-lírico realizado em oito
de março de 1921 em benefício do Tamoio FC. Porém, sua qualidade já deixava a
desejar e o empresário João Fernandes Eiras decidiu construir um novo cinema na
Rua Moreira César (centro), tendo sido as obras iniciadas em 1925 e inauguradas
em 27 de fevereiro de 1926. Chamava-se Cine-Teatro Estrela do Norte.
Nele, em 25 de março
seguinte, viria a apresentar-se a Companhia Nacional de Revistas, dirigida pelo
maestro Francisco Léo, e também a atriz brasileira Cecy Porto, em 22 de julho.
Passou de mãos logo em seguida, adquirido por Francisco Tavares, em outubro
daquele ano, quando a companhia do artista Eduardo Pereira veio a ali
apresentar-se nos dias 30 e 31.
A tradição de utilização dos cinemas para eventos
sociais foi mantida, com apresentação de filme e palestra de Jônatas Botelho, em
26 de maio de 1927, em benefício do Círculo Espírita São Jorge, que funcionava
na Rua Nilo Peçanha, sob a direção do professor Cizínio Dias.
E, em oito de setembro de
1928, o Cine-Teatro Estrela do Norte foi palco da comemoração do primeiro
aniversário da escola do Jacaré (atual Colégio Estadual Coronel João Tarcísio
Bueno, no Paraíso), com apresentação de coral escolar, ginástica e a opereta “A
Ceia Original”, escrita pela diretora do educandário, professora Cândida C.
Santos. Em 24 e 25 de dezembro seguinte, nele era apresentada a peça infantil
“O Mártir do Calvário”, sob a direção da professora Olga Lyra. Chamado de
“elegante teatrinho”, receberia o ator Masson, em 18 de abril de 1929, para
festival em benefício do Esporte Clube Alcântara. Dois anos antes, a Vila
recebera mais um cinema, o São Gonçalo, de propriedade de Mário Azevedo, filho
de José Alves Azevedo, o Zé Garoto, que apresentava filmes de quinta-feira a
domingo.
Personagem dessa fase do
cinema, ainda mudo, era o pianista, que acompanhava a exibição da fita fazendo
o fundo musical. Aqui, um teve destaque: era Arquimedes Magalhães Pery. Ele e a
esposa, professora Noêmia de Azevedo Pery, residiam no centro da cidade, onde
recebiam amigos para saraus semanais. Depois de trabalhar nos Cinemas Neves e
Estrela do Norte, foi contratado pelo Cinema Brasil, no Barreto, onde ficou até
a chegada do cinema sonoro, na década de 1930.
Foram anos de grandes
mudanças. Em 1932, o Cine-Teatro Estrela do Norte foi adquirido por Albino
Carpi, que trocou seu nome para São José, manteve os filmes nos fins de semana
e a cessão para eventos externos. Como a instalação do núcleo integralista de
São Gonçalo, em 12 de setembro de 1933, que terminou em pancadaria, e o
festival de teatro amador, em 17 de setembro de 1936, em benefício do Asilo
Amor ao Próximo, fundado poucos anos antes. No fim da década, passou à
propriedade de José Maria Nanci, cuja família deu novo impulso às salas de
cinema na cidade.
O cinema sonoro já era uma
realidade, mas os filmes ainda não eram coloridos, o que não impedia que as
salas de exibição começassem a se multiplicar pela cidade. A família Nanci
garantiu a melhor rede, constituída pelos Cinemas São José (Zé Garoto), Santa
Maria (Porto da Madama) e Nanci (centro), este último inaugurado no princípio
da década de 1950 com grande show em que pontificavam artistas nacionais, a
exemplo da Rainha do Rádio Emilinha Borba.
Além daqueles três,
funcionavam na cidade pelo menos mais oito cinemas (Mutuá, Alcântara, Neves,
Vitória, Floresta, São Jorge, Nova Cidade e Vera Cruz) e eram eles, ao lado dos
clubes sociais e esportivos (Tamoio, Mauá, Vila Lage, Embaixadores, Casa Unidos
de Portugal, Bandeirantes, Dínamo, Forte e outros) e de praças públicas (Carlos
Gianelli e Maria Estefânia de Carvalho, principalmente), os espaços de lazer,
diversão e socialização.
Eis que, na década de 1960, a chegada da
televisão, antes objeto só dos lares economicamente mais afortunados e já
começando a se popularizar, marcou o início do fim dos cinemas. O tiro de misericórdia
foi dado pelas fitas de videocassete, o que provocou o fechamento, um a um, de
todos os cinemas de São Gonçalo, transformados em casas comerciais, templos
religiosos ou edifícios. Houve tentativas de resgatá-los, como os cinemas
Tamoio, em Nova Cidade,
e São Gonçalo, no centro, na década de 1990, mas os tempos já eram mesmo outros
e resultaram infrutíferos os investimentos. Só no princípio da década de 2000
ressurgiram eles, na forma de salas multiplex em shoppings-centers, que atendem
aos cinéfilos, mas estão longe do brilho dos antigos cinemas.
Fontes: O Fluminense, 1908-1936, Biblioteca Nacional.
A Cidade, 05-10-1926, p. 7; e
30-04-1927, p. 8.
A Gazeta, 1929-1937, acervo de Cezar
Augusto de Mattos.
O São Gonçalo, 1931-1950, arquivo
do jornal.
Jorge Cesar Pereira Nunes é Bacharel em Direito, Jornalista e Pesquisador da História de São Gonçalo.
É, também, autor das seguintes obras:A criação de municípios no Estado do Rio de Janeiro;
Chefes de Executivo e Vice-Prefeitos de São Gonçalo;
Dirigentes Gonçalenses - Perfis;
Crônicas Históricas Gonçalenses I e II.
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