Abrem-se
as cortinas quase pálidas de tão desbotado que era aquele vermelho. Sem contar
com os grandes remendos improvisados e a poeira que cuspia ácaro nos atores e
na plateia. Vira e mexe interrompia-se a cena para acudir um pobre coitado que
quase tinha um troço de tanto espirrar.
Mas
em pé naquele tablado ripado simples, não muito alto, lá estava Romeu. Não era
nada atlético, baixinho com a sua barriguinha saliente que lhe apertava a
camisa listrada de veludo azul a ponto dos botões voarem na plateia em um
respiro mais exagerado. Por baixo do chapéu em camurça verde com a tradicional
pluma branca uma careca lisa e lustrada. Mas ridículo do que seu bigodinho era
a voz irritante e a maneira que interpretava. Bem parecido com o Pato Donald
rezando o terço.
-“Meu
coração amou antes de agora? Essa visão rejeita tal pensamento, pois nunca
tinha eu visto a verdadeira beleza antes dessa noite.”
Mais
que de repente surge no palco numa corridinha desengonçada e barulhenta, por
causa do tamanco de madeira, aquele negro bombado de 2 metros de altura em uma
peruca de tranças loiras.
-“Romeu,
Romeu, onde estas tu, Romeu?”
Inevitável
eram as gargalhadas da plateia, mas estamos no Brasil do final do século XVIII
e até mesmo a tragédia de William Shakespeare transforma-se na pior das
comédias. Os teatros não tinham recursos e era muito comum atores serem ex-escravos sem formação e quase
não se via atrizes, já que o preconceito era imenso. Mulheres no palco eram
consideradas prostitutas para sociedade. Piorou com o édito de D. Maria I que
as proibiam de representar.
Esse
cenário só foi modificado quando entrou em cena um itaboraiense que mudou o
teatro nacional. João Caetano dos Santos nasceu em 27 de janeiro de 1808,
quatro dias depois que o D. João VI e sua família pisava em solo brasileiro.
João Caetano dos Santos - Nasceu em Itaboraí |
Bem
jovem João Caetano dava seus primeiros passos como ator amador. Aos 23 anos
interpretava como profissional a peça O Carpinteiro da Livônia no teatro da sua
cidade natal. Hoje em sua homenagem chamado Teatro Municipal João Caetano na
cidade de Itaboraí.
Dois
anos depois da sua estréia como profissional João Caetano já ocupava o teatro
de Niterói com a sua Companhia Nacional João Caetano, a primeira companhia
nacional de teatro. Em sua homenagem hoje chamado Teatro Municipal João Caetano
em Niterói.
Teatro Municipal João Caetano - Itaboraí |
Teatro Municipal João Caetano - Niterói |
Era
imbatível na montagem de cenas de guerra, na época faziam bastante sucesso com
a platéia. Talvez o fato de ter servido
na Guerra da Cisplatina como cadete tenha o ajudado a se destacar.
João
Caetano criou um perfil para o ator brasileiro e se tornou um mito. Nunca um
ator foi tão biografado. Lançou dois livros sobre a arte de representar que são
referências de estudo até hoje. Reflexões Dramáticas de 1837 e Lições
Dramáticas de 1862.
Sem
dúvida sua maior conquista foi a concessão por dois contos de réis do teatro
mais antigo do Rio de Janeiro. Inaugurado em 13 de outubro de 1813 com o nome
de Real Theatro São João pelo próprio imperador D. João VI. Neste teatro foi
assinada a primeira Constituição Brasileira. Mais tarde com o nome de Theatro
São Pedro de Alcântara e em 1930, após sua reconstrução determinada pelo então
prefeito Prado Junior, foi batizado como Teatro João Caetano.
Aos
52 anos João Caetano organizou no Rio de Janeiro uma escola de artes dramática
onde todos podiam estudar. Um ensino totalmente gratuito. E para valorizar a nossa
arte, promoveu a criação de um júri dramático para premiar a produção nacional.
No
dia 24 de agosto de 1863, João Caetano saia de cena, mas a arte plantada por
ele continua viva em todos os palcos do Brasil. Não é exagero falar que a arte cênica
nacional deve muito a esse filho de Itaboraí. Basta perguntar a uma criança o
que ela quer ser quando crescer. A maioria responderá com um sorriso, ator ou
atriz.
No centro do tablado ripado o barrigudinho Romeu e a bombada Julieta de mãos
dadas agradecem ao publico enquanto as cortinas vermelhas se fecham.
Sobre o autor: Alex Wölbert
Alex Wölbert é colaborador do Blog do Vovozinho, e do Blog do Tafulhar. Considerado um dos maiores cronistas do Leste Fluminense, sobretudo, acerca da cidade de São Gonçalo-RJ. Faz parte do Projeto Recicla Leitores. Facebook: Alex Wölbert
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